Quanto tempo pode uma formiga, pergunto-me, viver em solidão? E, ela vive ou somente sobrevive? A palavra designando o não-morrer tem a mesma construção em português, que em sueco: sobre-viver, över-leva. Como se fosse um nível mais elevado do viver, e não exatamente o oposto: a vida reduzida aos mais básicos, privada da alegria de viver.
Pode uma formiga sentir felicidade ou infelicidade? Ela sente solidão?
Sem querer, trouxemos da chácara para a cidade, no ano passado, uma formiga pequena, cor de carvão. Talvez ela tenha chegado com as colheitas de legumes, escondida entre os verdes. Agora vive no balcão da cozinha, encalhada no nosso apartamento, separada da sua comunidade. Que papel tinha ela lá? Sei que a maioria das formigas são fêmeas subdesenvolvidas, incapazes de procriar e encarregadas com outras tarefas: buscar alimentos, cuidar das larvas, tomar conta das plantações de fungo. Li uma vez que igual a abelhas, formigas têm um sistema sofisticado de comunicação, e que, grande parte desta, acontece através de cheiros.
“Não se vê formigas dentro de casa na Suécia”, diz ele, o filho que a guerra me deu, enquanto observa a formiguinha percorrendo o balcão em busca de gotinhas de suco derramado, grãozinhos de açúcar e migalhas de pão. Comida aqui tem que sobra. Eu comparo com Brasil, ele com Irã. “Não”, respondo a ele, “é raro”. Lembro da vida levada no meu pequeno apartamento em Brasília uns anos atrás, em constante companhia de formigas.
Mas aqui, as formigas se escondem, na parte fria do ano debaixo do solo. Os de antigamente acreditavam que elas mantiveram ligações com os seres subterrâneos. Portanto, presença de formiga implicava risco. Quem destruísse um formigueiro poderia perder a própria casa. O surgimento de grande número de formigas dentro duma casa, era considerado premonição de morte. Manter distância às formigas parecia coisa prudente a se fazer.
E se é verdade que as formigas mantêm relações com os subterrâneos, tratar essa pequena formiga bem, já que está aqui e não têm para onde ir, parece, outrossim, prudente.
Formiguinha preta percorrendo o balcão. Todos cuidamos dela. Faz uns seis meses já que ela está conosco. Tento pesquisar a duração de vida de uma formiga, mas a variação, conforme espécie, me deixa em dúvida: dez meses ou dez anos? No mundo em todo, há quatorze mil espécies de formigas conhecidas por nós humanos. Quantas nem sabemos? Na Suécia, calcula-se oitenta espécies, mas não tenho a mínima ideia a qual espécie pertence a nossa pequena cor de carvão. E, o que poderiam dizer os dados nesse caso? Quanto tempo pode uma formiga de qualquer espécie viver em solidão?
Provavelmente, ela nem tem como sentir o carinho e o cuidado que tenho para não machucá-la: procuro por ela de manhã, para me certificar que ela continua conosco; passo pano na área que ela transformou em sua; e espalho pequenas quantidades de açúcar ao livre – afinal das contas, aqui as baratas dentro de casa são tão raras quanto as formigas! Que mal podem fazer uns grãos de açúcar?
Pequena formiga cor de carvão. Espero que me perdoe por tê-la encalhado aqui, na solidão, tão longe dos seus.